Fim de tarde. Fim de mundo. Fim de paciência. Ponho meu tênis e vou-me para a rua. Saio pelo portão. Sinto uma estranha (e falsa) sensação de liberdade. Não posso realmente ir para onde quiser, mas tenho um bom raio de espaço livre a ser vasculhado.
Decido por andar e aproveitar o momento. Sete da noite, o sol está se pondo. As pessoas aproveitam que a cidade resolveu dar uma aliviada na temperatura. Aparentemente, estávamos sob risco de inundação devido à quantidade de suor produzida diariamente pela população.
Bem, não estou na capital. Fui arrastado para o limbo. Não que este seja um lugar tão mítico ou importante quanto o limbo; é só que Araruama serve de passagem. É como uma ponte, uma ligação não muito importante.
Estou a andar sentindo a brisa da lagoa beijar meu rosto. Vou andar a orla toda. Todos os dois quilômetros não me parecem de nada ameaçadores. E quem sabe com uma melhor condição física eu consiga algo com o design.
Conforme o asfalto vai ficando para trás, começam a aparecer os cães. Das mais variadas formas, eles me acompanham por todo o caminho. Há aqueles que vagueiam sozinhos. Há os de pedigree que nada mais fazem que procurar uma fêmea para procriar. Juro que um deles quase passou por fêmea. Portava uma barrigada tão protuberante que eu pensaria que carregava três filhotes se não fosse por ele, o falo. Balançava inconfundível e imponentemente ao sabor do vento. Macho.
Começam a aparecer as gatas. Das modelos de saca de ração àquelas que adoram se embrenhar no lixo à procura de um peixinho frito com limão, comparecem aos montes. Algumas carregam os rabos tão alto que se pode ver suas partes, quiçá suas entranhas. Podia jurar que as felinas eram mais metidas que isso. Sempre pensei nelas como cheias de melindres. A verdade é que algumas ganham dos próprios cachorros na questão do relaxamento das maneiras.
Os cães, como em todo bom desenho, miravam-nas sedentos. Algo em minha mente me lembrou do filme O Rei Leão. Vi um cachorro mostrando ao outro como se esconder e preparar a emboscada para atacar aquela a qual tanto desejava. O que de fato nenhum desses dois sabia é que a presa estava perfeitamente ciente da armadilha. Ela via o caixote e, propositalmente, derrubava o graveto de sustentação e acionava o modo atriz para aparentar surpresa ao ser resgatada daquela prisão pelo bravo cão, ou pelo cão dominador que agora a possuía – vai depender da vontade da freguesa.
Virando a esquina, encontrei um animal conhecido. É, o mundo é como o número dos leitores desse blog. Esse cão que parado aí estava, montado sobre a gata que lançou-me ameaçador. Bastou um carinho atrás da cabeça – o ponto G dos animais - para que ele voltasse a prestar atenção naquele que tinha debaixo de si.
Termina a tarde e se põe lindamente no horizonte o balão dourado. Termino toda a orla. Decido refazê-la. Correndo dessa vez. Corri metade apenas. Parei para tentar respirar.
Parado lá, vi uma estranha reunião de felinas. Pensei no que as faria estar naquele lugar àquela hora. Já começava a escurecer. E lá estavam elas naquele beco cheio de latas de lixo. Abri um sorriso. Esperei quieto e parcialmente escondido; queria vê-las cantar a Jellycle Song for Jellycle Cats. Nada. Deviam ser renegadas. Pfff
Voltei no ritmo com que comecei. Não lento; o natural para mim. Consegui recuperar o fôlego e voltar a admirar a bicharada. Algumas matilhas passaram por mim. Uma era formada apenas por vira-latas pulguentos locais. Outra, por cães que, com um bom trato, encantariam até as mais exigentes madames.
Uma em especial chamou minha atenção. Eles andavam tão rapidamente e tão juntos que peguei me perguntando, “Aonde vão?” Eles com certeza estavam de passagem por esta cidade. Tinham todo aquele charme urbano. Andavam em direção à estrada com convicção. Perguntei-me se sabia aonde EU ia.
Após algum tempo ponderando, cheguei à minha rua. E, conforme voltava para o portão, a única coisa que pude me responder era que nada sabia de minha vida a longo prazo, mas que amanhã eu iria mais uma vez me encontrar com os cães, as gatas e a praia.